domingo, 4 de julho de 2010

Os Melhores Dias de Nossas Vidas (Inside I'm Dancing)







Existe um pequeno filme independente irlandês, que até existe em DVD no Brasil, mas que é difícil de achar e sobre o qual eu sempre quis falar aqui. Se puderem (partindo do pressuposto que esse blog é lido por mais do que uma pessoa) procurem-no, vale a pena assistir.No filme James McAvoy, mais conhecido por seu trabalho em "O último Rei da Escócia", interpreta Rory, um jovem rebelde, bem-humorado, que fala o que pensa e não liga para convenções sociais. O diferencial de Rory em relação a outros rebeldes do cinema, reside no fato que ele vive numa cadeira de rodas, desde de muito cedo, já que ele sofre de Distrofia Muscular de Duchenne, uma doença genética progressiva que se manifesta nos primeiros anos de vida. Logo quando a criança começa a andar.Rory é enviado para uma instituição de auxilio a deficientes aonde faz amizade com Michael, um outro garoto em cadeira de rodas. Michael tem paralisia cerebral, logo tem dificuldade de fala, mas consegue mover os membros com certa dificuldade. O contrário de Rory, cuja doença já deve estar no estágio final em sua progressão, já que ele não possui movimentos do pescoço para baixo. Cabe aqui um aviso, se pesquisar, irá ver que quem sofre de Distrofia Muscular de Duchenne dificilmente passa dos 21 anos de idade, morrendo antes por falência da capacidade do diafragma. Logo não se trata aqui de um espoiler dizer que Rory morre no fim do filme. É um filme independente e não um conto de fadas com um milagre no final.Mas agora falando de porque esse é um filme marcante, e que a cada vez que assisto descubro como ele pode ser uma metáfora com relação ao modo como muitos de nós encaram a vida. Não sofro de uma doença degenerativa ou que eu vá morrer cedo... espero. Mas existem elementos marcantes aqui como em toda obra de arte que nos ajudam a encarar o mundo por um prisma todo pessoal. Rory é um espírito indómito, ele se incomoda com o modo como as pessoas tratam os que possuem algum tipo de necessidade especial, eles tem dificuldades, mas não são incapazes. Não são diferentes de mim, de você ou de quem quer que seja. Eles pensam, amam, sofrem e querem se divertir. Mas o modo como Rory mostra isso é que é sensacional, ele leva Michael na primeira noite deles na rua a um bar e a uma danceteria, tudo por causa de uma garota que eles vêem na rua, Siobhan. Siobhan questiona Rory na danceteria o que ele fazia ali se não podia dançar, ao que Rory responde "Inside I'm Dancing" (Por dentro, eu estou dançando). É isso, a frase que acabou sendo usada como o título do filme na Irlanda, define o personagem sem precisar de longos diálogos. Perfeito como construção narrativa do roteiro.Rory conduz Michael a se rebelar, a viverem fora da instituição que os acolhia, a serem independentes. E escolhem como enfermeira, a mesma Siobhan, que não tem experiência para tal. Mas isso não importa. Michael se apaixona por Siobhan, Siobhan por sua vez é apaixonada por Rory, que até tem sentimentos reciprocos por ela, mas conhecendo o seu destino, o da morte iminente, sublima isso em função de empurra-la para o amigo. As coisas não vão acabar bem nesse triângulo sui-generis. Quando a situação chega no limite, e Siobhan se vê forçada a abandonar os dois. Michael tenta implorar, mas Rory diz em seu modo cruel de encarar a vida que "periquitos não namoram tatus", crueldade sublimando a dor. Siobhan encerra a discussão com "Eu não posso ajudar quem eu amo, eu não posso ajudar quem eu não amo". Verdades que trazemos para a vida num roteiro simples, mas que possui camadas.É aqui que esqueço o filme, acontece mais coisas até o final, mas deixo para aqueles que quiserem assistir verem. Me concentro agora, no que esse filme carrega de conexão com o modo como muitos encaram a vida. De certo modo, todos nós temos nessas deficiências como Rory, cujo cerebro e modo de pensar não é acompanhado pela incapacidade física de seu corpo. A mente dele é maior que o corpo dele, isso o faz cru, isso o faz prisioneiro de sua própria existência. Assim como muitos de nós que vêem a existência massacrar as nossas vontades. Muitas vezes amamos a quem não podemos amar, somos amados por quem não queremos. E sempre estamos ferindo ou sendo feridos, não por nossos desejos, é nossa inabilidade lidar com essa situação. Quantas vezes não ouvi por aí, que vivo no lugar errado, que nasci no lugar errado. Pretensão minha? Pode até ser. Mas é fato que de certo modo, todos nós temos nossas próprias incapacidades ou limitações. Quase sempre somos obrigados a ouvir que devemos nos submeter e desistir de sermos nós mesmos. As convenções sociais, são a nossa doença degenerativa.Quantas vezes seu desejo real esbarrou naquilo que um mundo quer de você, ou pior quando você assume ser você mesmo você vira um deficiente solitário aos olhos da sociedade?

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