sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Pornô, Indústria Cultural e Zeigeist


Entre os extras do DVD de Instinto Selvagem, tem uma entrevista com Paul Verhoeven, o diretor do filme. O repórter, ao que parece, da TV holandesa fala sobre o fato dele ser uma das 10 personalidades holandesas de sucesso. Muito sabiamente, Verhoeven afirma que o sucesso é algo relativo e aproveita esse ensejo para dizer que o último filme dele até aquele momento, The Hollow Man, foi um sucesso comercial, mas era um filme vazio para ele. Como diretor, ele afirma ainda que as coisas estão cada vez mais difíceis (isso já na época da entrevista), porque tudo era somente em nome do lucro fácil e da diversão vazia. Francis Ford Coppola, diz algo semelhante nos extras de Drácula de Bram Stocker, onde o ítalo-americano, diz que hoje em dia ele se sente mais realizado com a vinícola que fazendo filmes, pois está no limite do impossível achar financiamento para projetos mais autorais.
No inicio dos anos 80, a feroz crítica de cinema Pauline Kael escreveu um artigo premonitório intitulado “Por que os Filmes são Tão Ruins? Ou, os Números”, e que veio recentemente a tona numa coluna do Andre Barcinski para o portal UOL. No artigo, Pauline já afirmava entre outras coisas que: “Filmes são tão ruins ultimamente que eu não acho que eles estejam atraindo o público, acho que eles estão herdando um público.” Indo mais além: “Os estúdios acreditam que bons resultados de bilheteria são prova de que os espectadores gostam dos filmes, assim como executivos de TV acreditam que os programas de maior audiência são os que o público quer, e não os que o público aceita.” Nem é preciso dizer mais nada. Basta olhar para a grande maioria de filmes em cartaz atualmente.
Voltemos novamente no tempo um pouco. Richard Corliss, em seu artigo When Porn Was Chic, afirma no final do texto que uma das razões para o ocaso do período dourado do cinema pornográfico americano dos anos 70, não foi somente o advento do vídeo-cassete como muitos pensam, e sim o sucesso de filmes como Tubarão e Guerra nas Estrelas. Já que o sucesso acachapante dessas duas películas entre a massa de jovens e adolescentes fez com que executivos, distribuidores e exibidores ignorassem qualquer tentativa voltada mais para o mercado adulto. Convém lembrar aqui, que estamos falando dos filmes pornôs feitos no chamado fenômeno do pornô chic, que iam além do mero espetáculo onanista para tentar uma abordagem mais profunda e ousada dos inúmeros aspectos da sexualidade.
Voltemos então a 2010. O panorama da indústria do entretenimento de um modo geral, é desolador. O mercado musical sofre com um processo de baixas vendas, menos por culpa dos downloads ilegais e mais devido aos sucessivos investimentos acéfalos dos executivos em músicas descartáveis, o público realmente consumidor de música, envelheceu, muitos dos possíveis apreciadores de música foram educados por muito tempo com música ruim, sem significado. Como poderiam eles, saber que música é algo mais profundo, se durante anos essa industria empurrava goela abaixo coisas que você ouve agora e esquece daqui a pouco? Como demonstrar a importância de se ouvir algo que um compositor trabalhou durante um bom tempo, pensou numa letra com algum significado profundo, e cuja produção é algo cheio de camadas, quando o que os executivos ensinaram foi a consumir a imagem vazia? Isso gera até um outro problema mais subjetivo. Antigamente, quando alguém comprava um CD ou até mesmo LP mais complicado, reunia-se aos amigos para compartilhar o momento que era ouvir aquele material. Havia uma troca cultural no processo de se ouvir música. Hoje está mais fácil, mas ainda que a internet permita a torça de impressões sobre determinado trabalho em escala global, nem todos estão dispostos a isso. Mesmo porque não foram educados para isso.
O fenômeno é semelhante com os quadrinhos, que nos anos 90 sofreram com a idéia das Estórias e séries eventos, mas de cuja profundidade era a mesma de uma colher. Estória que venderam horrores, mas cuja relevância cultural pode ser medida no que acontece hoje. Por mais que se diga que quadrinhos estão hoje mais importantes do que nunca foram por causa da associação com Hollywood, é melhor olhar com mais atenção. Ou achar que faturar milhões com adaptações para o cinema seja o termômetro de sucesso desse povo. Quando se cria um personagem de quadrinhos já pensando na adaptação para a tela grande e não no desenvolvimento de um mitologia toda própria na Nona arte, é porque tem algo muito errado. Melhor é ser logo corajoso e escrever a droga de um roteiro para cinema. Já se vai muito tempo, quando nos anos 80 os quadrinhos foram tomados de assalto por coisas relevantes como as estórias do Demolidor feitas por Frank Miller. Sandman do Neil Gaiman, Watchmen do Moore. Material que até hoje é relevante. Passados muitos anos, Frank Miller virou um arremedo de roteirista para os quadrinhos e uma nulidade como cineasta (basta ver a sua adaptação para o Spirit). Cabe lembrar que estou falando aqui do Mainstream, eu sei que tem coisas muito boas sendo feitas de modo independente. Mas até mesmo esses tem uma certa dificuldade de sobrevivência.
A coisa é tão feia quanto com o cinema. A era dos filmes eventos continua. Avatar foi um espetáculo vazio, cujo previsibilidade do roteiro é proporcional ao sucesso de bilheteria, muito em função do 3D, o que fez com os executivos da indústria, essa raça de engravatados acéfalos queiram fazer qualquer bobagem em 3D. O que essas bestas não percebem, ou percebem mais não se preocupam com isso por serem de uma raça parasitária que não está nem aí se o cinema vai viver ou morrer, desde que eles arrumem outro lugar para sugar a vida. O que eles não percebem é justamente que ousadia, integridade é o que faz de algo duradouro. Muitos fãs de cinema, ainda assistem E O Vento Levou (feito em 1939), Laranja Mecânica (1971), Apocalypse Now (1979). Mas é bom ficar quieto ou os executivos boçais podem entender errado e quererem fazer mais um dos desnecessários remakes que aparecem durante o tempo todo. Muitos filmes atuais são feitos com o toque do imediatismo, quanto tempo as pessoas continuarão assistindo Crepúsculo e congêneres? Os filmes hoje obedecem a uma formula, que pode até gerar dividendos nas bilheterias, mas que é danoso a arte e a industria no médio e longo prazo.
Isso nos leva a um exemplo perfeito do ontem de lucro, que gerou um presente desolador. A indústria pornográfica está agonizando, por culpa dela mesma. Que durante anos se rendeu ao lucro fácil dos filmes gonzos. As produções baratas e rápidas feitas para o mercado de vídeo gerou lucros absurdos durante muito tempo, mas acostumou o público apenas as cenas de um modo isolado, não ensinou como o pornô setentista a ver o todo, a ver o sexo mesmo explicito inserido num contexto narrativo-dramático e estético. Não é a toa que os downloads ilegais afetariam. Com o gonzo, para que vou me preocupar em ter um filme inteiro de cenas repetitivas, se eu quero apenas um pequeno trecho para ver enquanto me masturbo?
Existem muitas pessoas querendo fazer algo diferente. Essas pessoas penam com os vícios cultivados pelos idiotas da industria que sabotaram toda uma área do entretenimento. Foi assim com o pornô, e será assim na música, e no cinema, em escala menor, mas será.
Só que ao invés de lamentar. Se pode usar a internet como uma ferramenta de apoio, e com ela ainda assim tentar fazer algo relevante, e não somente mais do mesmo para consumo imediato.Por isso há que se celebrar as iniciativas de gente como Maria Beatty que faz filmes belíssimos, que até o mais radical anti-pornô fica balançado ao ver. O meu amigo Ruy da x-plastic, que navega contra a corrente descartável aqui do Brasil. Chase Lisbon da Supercult. Erika Lust, ainda que um pouco chatinha no seu discurso, mas seus filmes tem uma característica toda própria. A Jennifer Lyon Bell. E claro, o kink.com.



Isso é um filme pornô. O que mostra que é possível fazer algo relevante e ousado.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Two-Lane Blacktop








Quando sou perguntado a respeito de meu gênero de cinema favorito ou alguma questão semelhante, por vezes fico exasperado sem saber como responder, não tenho uma resposta fácil, por até mesmo não ter um gênero favorito. Particularmente, me interesso mais por temáticas e afins.
Mas noto que na minha lista de filmes favoritos, um gênero ou subgênero aparece com um freqüência ligeiramente maior, mas muito ligeiramente mesmo. Falo dos road-movies.
Dentre os meus road-movies favoritos, um entrou na lista recentemente, Two-Lane Blacktop. Lançado em 1971, "Two-Lane Blacktop" é indiscutivelmente um dos melhores road-movies existenciais feitos entre o final dos anos 60, início dos anos 70 (incluindo aí "Easy Rider" e "Vanishing Point", esse aqui um favorito também e sobre o qual um dia falarei). O diretor Monte Hellman faz um exame cru, por vezes contundente, da alienação americana. O filme é simplesmente brilhante devido à sua recusa em ceder as facilidades do mero comercialismo. Um filme sobre um grupo em busca de corridas de carro aonde não se vê corridas de carro. Aliás, existe até uma corrida em "Two-Lane Blacktop", embora essa pareça terminar antes mesmo de começar. Existem extraordinários muscle cars também. Mas Two-Lane Blacktop é um estudo de personagens, embora os personagens não sejam pessoas como nós particularmente conhecemos.Os três principais personagens, almas perdidas num vazio de identidade e emoção. James Taylor (sim, aquele cantor mela-cueca trazido ao rock in rio por Roberto Medina), Dennis Wilson (o único surfista de verdade dos beach boys) e Warren Oates (não é o Oates de hall & oates) vivem os personagens principais, o que poderia já causar um certo estranhamento, mas o filme é muito bom. Taylor e Wilson cruzam silenciosamente as pequenas estradas do interior dos EUA procurando pela próxima corrida em seu Chevy ‘55. Eles acabam encontrando com Oates, um sujeito meio nervoso e tagarela que vive perdido em algum tipo de crise de meia-idade, enquanto leva caronistas no seu GTO.Acrescente nesta mistura uma jovem caronista interpretada de maneira soberba por Laurie Bird. Ela salta para frente e para trás entre estes três homens, sempre evitando suas desastradas tentativas de assédio.
"Two-Lane Blacktop" é um estudo de homens tristes perpetuamente perdidos em alguma desconhecida paisagem americana. Eles são fantasmas pairando, sem identidade, para sempre à procura de um sentido que não pode ser encontrado. Não há respostas nem verdades simplórias na complexa odisseia de Hellman. Estes homens estão presos, os seus carros servindo como caixões ambulantes, sem resgate aparente na próxima curva, destinados inexoravelmente a avançar cada vez ainda mais longe.
O início dos anos 1970, a música vinda do rádio AM, combinado com postos de gasolina anónimos, restaurantes de beira-de-estrada (ainda tem hífen?) e numerosas pequenas localidades, tudo contribui para o efeito global do sombrio estudo de personagem que Hellman fez. "Two-Lane Blacktop" é um dos melhores filmes americanos, e que quase ninguém jamais ouviu falar.

domingo, 4 de julho de 2010

Os Melhores Dias de Nossas Vidas (Inside I'm Dancing)







Existe um pequeno filme independente irlandês, que até existe em DVD no Brasil, mas que é difícil de achar e sobre o qual eu sempre quis falar aqui. Se puderem (partindo do pressuposto que esse blog é lido por mais do que uma pessoa) procurem-no, vale a pena assistir.No filme James McAvoy, mais conhecido por seu trabalho em "O último Rei da Escócia", interpreta Rory, um jovem rebelde, bem-humorado, que fala o que pensa e não liga para convenções sociais. O diferencial de Rory em relação a outros rebeldes do cinema, reside no fato que ele vive numa cadeira de rodas, desde de muito cedo, já que ele sofre de Distrofia Muscular de Duchenne, uma doença genética progressiva que se manifesta nos primeiros anos de vida. Logo quando a criança começa a andar.Rory é enviado para uma instituição de auxilio a deficientes aonde faz amizade com Michael, um outro garoto em cadeira de rodas. Michael tem paralisia cerebral, logo tem dificuldade de fala, mas consegue mover os membros com certa dificuldade. O contrário de Rory, cuja doença já deve estar no estágio final em sua progressão, já que ele não possui movimentos do pescoço para baixo. Cabe aqui um aviso, se pesquisar, irá ver que quem sofre de Distrofia Muscular de Duchenne dificilmente passa dos 21 anos de idade, morrendo antes por falência da capacidade do diafragma. Logo não se trata aqui de um espoiler dizer que Rory morre no fim do filme. É um filme independente e não um conto de fadas com um milagre no final.Mas agora falando de porque esse é um filme marcante, e que a cada vez que assisto descubro como ele pode ser uma metáfora com relação ao modo como muitos de nós encaram a vida. Não sofro de uma doença degenerativa ou que eu vá morrer cedo... espero. Mas existem elementos marcantes aqui como em toda obra de arte que nos ajudam a encarar o mundo por um prisma todo pessoal. Rory é um espírito indómito, ele se incomoda com o modo como as pessoas tratam os que possuem algum tipo de necessidade especial, eles tem dificuldades, mas não são incapazes. Não são diferentes de mim, de você ou de quem quer que seja. Eles pensam, amam, sofrem e querem se divertir. Mas o modo como Rory mostra isso é que é sensacional, ele leva Michael na primeira noite deles na rua a um bar e a uma danceteria, tudo por causa de uma garota que eles vêem na rua, Siobhan. Siobhan questiona Rory na danceteria o que ele fazia ali se não podia dançar, ao que Rory responde "Inside I'm Dancing" (Por dentro, eu estou dançando). É isso, a frase que acabou sendo usada como o título do filme na Irlanda, define o personagem sem precisar de longos diálogos. Perfeito como construção narrativa do roteiro.Rory conduz Michael a se rebelar, a viverem fora da instituição que os acolhia, a serem independentes. E escolhem como enfermeira, a mesma Siobhan, que não tem experiência para tal. Mas isso não importa. Michael se apaixona por Siobhan, Siobhan por sua vez é apaixonada por Rory, que até tem sentimentos reciprocos por ela, mas conhecendo o seu destino, o da morte iminente, sublima isso em função de empurra-la para o amigo. As coisas não vão acabar bem nesse triângulo sui-generis. Quando a situação chega no limite, e Siobhan se vê forçada a abandonar os dois. Michael tenta implorar, mas Rory diz em seu modo cruel de encarar a vida que "periquitos não namoram tatus", crueldade sublimando a dor. Siobhan encerra a discussão com "Eu não posso ajudar quem eu amo, eu não posso ajudar quem eu não amo". Verdades que trazemos para a vida num roteiro simples, mas que possui camadas.É aqui que esqueço o filme, acontece mais coisas até o final, mas deixo para aqueles que quiserem assistir verem. Me concentro agora, no que esse filme carrega de conexão com o modo como muitos encaram a vida. De certo modo, todos nós temos nessas deficiências como Rory, cujo cerebro e modo de pensar não é acompanhado pela incapacidade física de seu corpo. A mente dele é maior que o corpo dele, isso o faz cru, isso o faz prisioneiro de sua própria existência. Assim como muitos de nós que vêem a existência massacrar as nossas vontades. Muitas vezes amamos a quem não podemos amar, somos amados por quem não queremos. E sempre estamos ferindo ou sendo feridos, não por nossos desejos, é nossa inabilidade lidar com essa situação. Quantas vezes não ouvi por aí, que vivo no lugar errado, que nasci no lugar errado. Pretensão minha? Pode até ser. Mas é fato que de certo modo, todos nós temos nossas próprias incapacidades ou limitações. Quase sempre somos obrigados a ouvir que devemos nos submeter e desistir de sermos nós mesmos. As convenções sociais, são a nossa doença degenerativa.Quantas vezes seu desejo real esbarrou naquilo que um mundo quer de você, ou pior quando você assume ser você mesmo você vira um deficiente solitário aos olhos da sociedade?